REconvexo (27/12/06)

A gente ouviu dizer que Cachoeira era a cidade mais africana fora da África... E que era o berço do samba. E que era um lugar de auto-estima elevada. E que foi lá que aconteceram coisas importantes na história do país, principalmente no que tange a liberdade. A gente ouviu dizer tanta coisa e viu e viu e sentiu: há um peso no ar que não é denso, há uma alegria no ar que é melancolia, paradoxo, ruínas e cores, nada fácil de explicar. E o que se sente não se diz, porque ainda que se consiga certa excelência, eloquência ou arrebatamento verbal, nada é fiel ao tato; nenhuma expressão é possível para os sentimentos.

E para trás ficou a cidade dos encantamentos.

Reconvexo
(Caetano Veloso)

Eu sou o vento que lança a areia no Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não
Eu sou o preto norte-americano forte com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música,
A mais velha e mais nova espada e seu corte
Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo

joão caboclo



pronto


amarelou enquanto a vida passa


rio pra encontrar


secar ao sol


rio pra lavar


alegria