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18.3.08

contorno

É gente: enquanto come, dorme, caminha; tudo poderia ser em qualquer lugar. Se não falasse, já não faria diferença compartimentar-se em uma Nação – ou uma dimensão em que estar. Poderia sentar e ver; as pessoas sempre vão passar, é a dinâmica do mundo. Se não há para escutar além das máquinas, dos carros, das buzinas, dos apitos, dos tambores, dos latidos – pela falta de espaço sonoro; que idioma faria falta? On/Off; é possível sublimar, desligar-se da rua, esquecer-se de onde se encontra, pela perdição ou hipnose das cidades. São códigos parecidos: o desenho urbano é pouco criativo na maioria das vezes.

É possível também que existam tantas palavras parecidas ou traiçoeiras, que mudam de idioma a outro. Radicais, estruturas verbais, origens comuns... Mas há outras mímicas; há no silêncio uma comunicação consentida. Da fila do supermercado, do elevador, do ponto do ônibus, das salas de espera. Que tampouco é mudo, ou surdo, ou cego. Há no silêncio a perpetuação das espécies e a mesma consistência civilizatória. Um brasileiro calado é um brasileiro.
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E sim, o contorno dos conjuntos – unitários, como o solitário crônico – se enxerga por outras vias. Não somente pelos olhos. Desse contorno falávamos antes de tomar a estrada. Porque desejávamos ardentemente enxergar o contorno do Brasil. E não falamos das linhas territoriais, que lemos nos mapas e tampouco sabemos de sua lealdade. Verdades verdadeiras? Tudo pode ser inventado, recriado, persuadido. Que cor teria essa linha de contorno brasileira, para quem jamais a houvera ultrapassado? Ainda ali, jamais poderia arriscar palpite que não fosse tendencioso para com o óbvio de nossa bandeira. Mas assim, aceitaríamos o fato de que uma convenção de cores representaria nossa pátria no imaginário. Seria por indução ou por conclusão? E ainda que houvera cor, ou uma comum, talvez importasse mais a sua existência; esse contorno é deixado e trazido; um porque acompanha o brasileiro exilado, outro porque deixa marcado seu espaço vazio, dentro do contorno maior.

“Pude sentir no exílio, como é difícil para um brasileiro viver fora do Brasil. Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente difícil aceitar e desfrutar do convívio com outros povos. O prefeito de Natal morreu em Montevidéu de pura tristeza. Nunca quis aprender espanhol, nem o suficiente para comprar uma caixa de fósforo. Alguns se suicidaram e todos sofrem demais. Basta ver uma reunião de brasileiros, do meio milhão que estamos exportando como trabalhadores, para sentir o fanatismo com que se apegam a sua identidade de brasileiros e o rechaço a qualquer idéia de deixar-se ficar lá fora.”
(Ribeiro, Darcy in O Povo brasileiro)
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